ATOS QUE DESAFIAM A VIDA E A MORTE- Capítulo 3
“Não
devemos prestar reverência a Satanás, pois isto seria imprudente, mas podemos,
pelo menos, respeitar seus talentos.” (Mark Twain)
Era uma sexta-feira. O dia amanheceu
com um aspecto calado e soturno. Eu não conseguia tirar os meus problemas do
caminho e agora esperava o entardecer para poder tirar a limpo tudo o que havia
se passado.
Às dez e meia pedi para Renato- um
jovem de dezoito anos que havia contratado para ajudar-me na loja- ficar no
balcão enquanto eu iria ao supermercado Irmãos Bresciani comprar mantimentos.
Não sou o tipo de homem que aprecia esse tipo de “atividade”, tais como fazer
compras, limpar a casa ou cozinhar, mas a falta de uma presença feminina em
minha vida me obriga a incluir os serviços domésticos em minha rotina.
Não é nada fácil ser
solteiro.
Entrei no meu carro e saí. Estava já
aborrecido por ver-me obrigado a executar essa atividade maçante e por remoer
os episódios passados. Quando virei uma esquina, entrei numa rua deserta e
cheia de casas velhas e feias. Era tudo tão sinistro naquele lugar! E foi nesta
rua deprimente que eu me deparei com uma das cenas mais chocantes que já
vivenciei em toda minha humilde existência.
Numa das casas- a mais horrenda de
todas- havia uma espécie de jardim frontal, abandonado e cheio de mato alto.
Lá, em meio a um ritual macabro, estava uma senhora idosa, medonha, com o rosto
todo enrugado e bexiguento, corcunda, maltrapilha. Seu olho esquerdo estava
coberto pela catarata. Parei o carro bem em frente e pus-me a observar o que
sucedia. Ela encontrava bem ao centro de um círculo riscado a carvão no chão,
onde estavam acesas inúmeras velas multicores. Um cabrito esfolado jazia entre
as velas, inerte. No momento em que eu contemplava com horror esta cena, a
velha erguia um cálice enferrujado sobre a cabeça e proferia palavras de um
idioma completamente desconhecido para mim, depositando o cálice no chão. A
seguir, retirou uma faca prateada que estava presa na cintura, e, erguendo as
mãos ao alto, cortou profundamente a palma de sua mão esquerda. O sangue
jorrava em meio ao círculo maldito.
Eu assistia a tudo isso petrificado. A
cena era impressionante e o meu sangue congelava nas veias. Não esbocei nenhuma
reação enquanto estive observando o ritual. Repentinamente, ela percebeu minha
presença. Fitou-me de uma maneira aterrorizante. O seu olhar denotava ódio, uma
raiva profunda e desejo de matar. Nunca, durante toda a minha vida tinha visto
alguém com um semblante tão carregado de ódio como o daquela mulher. Seria eu o
motivo de tanto ódio? A velha apontou para mim e vociferou algo em uma
linguagem estranha. A voz dela era medonha. Nunca tinha ouvido nada parecido.
Não era uma voz humana, de jeito nenhum! Era um rugido de animal ferido. Por um
instante fiquei paralisado e não pude me mover. Naquele instante pressenti que
algo de muito ruim estaria para acontecer.
Mas
eu não sabia o quê.
Tomado
de profundo horror, arranquei com o carro e saí o mais rápido possível de lá.
Eu estava muito nervoso e não sabia muito bem o motivo. Nunca fui o tipo de
cara que se impressionasse com bobagens, mas agora eu estava assustado. Era
como se eu já soubesse que algum mal me espreitasse. Só a recordação do rosto
da mulher punha meus cabelos em pé.
Havia
algo de muito maléfico por trás daquele rosto horrível. E isso me metia medo!
Voltei
para a loja. Eu me sentia tão abalado que havia até me esquecido de ir ao
supermercado. Tudo me estressava naquele momento: o dinheiro, a velha bruxa, o
trânsito parado, os pedestres, meu carro, o antiquário...
Parei meu carro em frente à loja e
entrei. Deparei-me com Galeno, o advogado pintor-de-rodapé sentado num dos
bancos perto do balcão, acompanhado de dois cavalheiros de aparência distinta.
- Estávamos esperando por você.
- Ah, então finalmente terei meu
dinheiro? Esses são “os compradores”?- respondi com sarcasmo.
- Sim, hoje você receberá seu dinheiro.
Esses senhores não são “os compradores”. São meus amigos, Balthazar e Hector.
O homem identificado como Balthazar era
alto e magro. Vestia um sobretudo preto por cima do terno. Moreno, aparentava
uns trinta anos. Tinha uma expressão gentil, ao apertar minha mão com
cordialidade. Já Hector, era mediano e encorpado. Trajava um terno cinzento e
básico. Os seus cabelos eram muito louros e bem cortados. Devia ter a mesma
idade de seu amigo. Possuía uma expressão de seriedade, mas era possível ver
algo de bondoso por trás de seus olhos verdes. Tinha um aperto de mão firme,
típico de homens determinados.
- Fernando, eu e esses senhores viemos
trazer o seu dinheiro. Ou melhor, levá-lo até ele.
- Como assim, meu caro doutorzinho?
- A história é mais complexa do que
você imagina. Tentei ocultá-la e preservá-lo do que realmente aconteceu, mas vejo
que será impossível. Se você souber agora, estará preparado para tudo o que irá
ocorrer e então os riscos serão menores.
- Riscos? Do que você está falando,
doido?
No âmago do meu ser eu já sabia que
estava acontecendo algo grave. Eu podia sentir isso. Pomba! Eu nunca me
assustara com coisas bestas, mas agora eu me sentia um idiota com medo. E o
pior: eu nem sabia o que estava acontecendo.
-Nós iremos explicar tudo, só
precisamos que você venha conosco.
-Iremos aonde?
-Por favor, venha. Confie na gente. Nós
vamos ajudá-lo.
Eu não sabia o motivo, mas algo me
dizia que eu poderia confiar neles. Tive um pressentimento, mais uma vez. Eles
talvez fossem a solução para toda essa confusão que estava acontecendo na minha
vida.
-Tudo bem. Vou confiar. Mais uma vez.
Galeno sorriu para mim com o mais
sincero sorriso. Segui os três. Fomos até o carro que deduzi que fosse do
advogado e sentei-me no banco de trás. Saímos calmamente, rumo ao local onde eu
descobriria coisas que jamais havia imaginado e que seriam as respostas para
muitos dos fatos que estavam acontecendo nos últimos dias.
A
bruxa estava solta!
CONTINUA...
Comentários
Postar um comentário