MEMÓRIAS DE UM SERIAL KILLER- Terceiro capítulo
Capivari,
27 de fevereiro de 2016.
Meu Deus o que está acontecendo comigo?
Acordei
no meio da madrugada, desesperado. Um turbilhão de vozes rugia e ria
histericamente em uma entoada dos mais diversos sons. Meu corpo todo formigava
e minha cabeça rodava como se eu estivesse muito bêbado. Sentia como se eu
fosse explodir em trilhões de pedaços.
Chega!
Chega, por favor!
Mas
elas não me ouviam implorar. A balbúrdia era tamanha que a minha voz era apenas
um sussurro imperceptível. A confusão na minha cabeça durou cerca de meia hora
e, como em um passe de mágica, desapareceu.
Estou
completamente louco!
Por
que essas malditas vozes do além continuavam a me perturbar? Eu não conseguia
entender no que elas queriam me tornar. Ou talvez já tinham me transformado,
pois nunca mais fui o mesmo desde que eu matei a minha mulher e Melissa.
Não consigo mais sentir culpa. Quando fiz aquilo com Melissa,
vislumbrei uma leve catarse, um sentimento sutil que eu acabei por confundir
com o remorso. Mas, e por que eu haveria de sentir culpa? Não fui eu que quis
assim! Foram as vozes, não é verdade? Elas é que me mandam fazer coisas ruins que
instigam meus instintos adormecidos, me provocam e acabaram de tornar minha
vida um grande inferno. As grandes responsáveis pela carnificina são essas
malditas vozes do diabo. Eu sou inocente e me sinto inocente, um simples objeto
nas mãos de seres diabólicos que se apoderaram da minha mente e comandam meus
movimentos e pensamentos como se eu fosse um robô.
Mas
que foi divertido aquilo, ah isso foi!
Não
posso negar que tenho me sentido insuperável desde então. Minha auto-estima
ficou nas alturas! Mudei grandemente minha forma de agir, pensar e de tratar as
pessoas. Não sei explicar, mas parece que eu perdi aquela timidez arrogante e
tornei-me mais extrovertido. Mais aberto. Mais confiante. Sem falar que ver-me
livre de Diana foi sensacional. Há tempos que eu planejava me separar dela, ver-me
desligado completamente daquela criatura frígida que me enojava a cada instante
que a olhava.
Os
fins sempre irão justificar os meios.
Depois
daquela noite fatídica, consegui dormir um pouco durante a manhã. Era sábado e
eu não estava trabalhando. As vozes haviam se calado completamente e meu corpo
e mente estavam em estado de descanso pleno quando uma soada forte da campainha
me despertou do “coma”.
Que
droga!
Levantei
e vesti uma camisa. Eram sete horas. Dirigi-me até a porta, bêbado de sono.
Era Afonso, meu vizinho dos fundos.
- Desculpe-me incomodá-lo a essas
horas, mas eu preciso falar-lhe urgentemente.
- Pois, não.
- É que a minha mulher fica o dia
todo em casa e ela me pediu pra vir conversar. Eu não passo muito tempo em casa
e como o senhor também trabalha, acredito que também não tenha notado...
- Notado o quê?
Conversa
estranha!
-
Ela disse que está sentindo um cheiro forte vindo do seu quintal. Tem algum
animal morto ai?
Merda!
-
Poxa vida! Meu Deus, mas que cabeça a minha! Peço desculpas à sua mulher e a
você. Dei fim em uns ratos que rondavam minha casa essa semana. Esses filhos da
mãe me infernizam! Acho que acabei me esquecendo de tirá-los de lá. Tive uma
semana difícil no trabalho e não tive tempo para limpar meu quintal. Mais uma
vez peço-lhe perdão. Hoje mesmo irei retirá-los.
- Eu é que peço perdão em vir incomodá-lo.
Eu sei que é difícil achar tempo para as coisas. Infelizmente não temos mais
tempo para cuidar de nada.
- Sim, é verdade. Mas hoje mesmo
cuidarei disso. Diga a sua mulher para não se preocupar.
- Está certo. Muito obrigado e mais
uma vez perdoe-me o incômodo causado.
- Que isso, cara! São apenas ratos,
fáceis de removê-los. Se fossem cadáveres seria mais difícil pra esconder, não
acha?
Eu
sabia que podia brincar com a sorte.
Ele
riu e foi embora.
Eu havia
me esquecido completamente que o corpo de Diana ainda estava no quintal, jogado
debaixo do alçapão. Havia dias que não colocava o pé naquela parte da minha casa.
O cheiro provavelmente devia estar insuportável e intragável.
Quando abri a porta do alçapão o
cheiro de carne apodrecida que inalei revirou meu estômago. Os restos mortais
pútridos de Diana causaram-me náuseas e quase fui incapaz de remover o corpo
para fora e enterrá-lo. Meu quintal era bem fechado, sendo impossível que os
vizinhos pudessem vislumbrar qualquer movimentação suspeita. Olhei uma última
vez para o cadáver semi-decomposto daquela que havia sido minha mulher com
muito mais asco do que quando era viva. Lembrei-me de sua presença repulsiva em
nossa sala de estar, de sua cara pálida e fantasmagórica, de sua ignorância
extrema, dos nossos passeios tediosos nas tardes de domingo, do sexo medíocre
dos nossos primeiros anos de casados (antes do início do meu problema). Imediatamente senti um tremendo
alívio de ter matado aquele ser patético.
Depois que enterrei o corpo, achei
que os meus problemas haviam desaparecido.
Mas
eu ainda tinha mais uma situação difícil pra lidar.
No
final daquela tarde recebi um telefonema.
Era Tom, meu ex- cunhado.
Outro
filho da mãe pra me encher o saco!
-
Quero falar com Diana.
- Ela não está.
- Eu não consigo falar com ela há
dias. Estou preocupado.
- Ela tem andado muito ocupada, mas
vou pedir pra ela te...
- Estou indo aí agora. Quero vê-la.
- Mas...
- Escute aqui, eu sei que ta
acontecendo alguma coisa séria com a minha irmã. Quero vê-la imediatamente. Se
você estiver fazendo mal a ela, eu juro que...
- Eu não fiz nada!
Minha
voz havia se elevado.
-
Daqui a pouco estou ai.
E desligou.
Desgraçado!
Eu havia
me esquecido daquele babaca desconfiado do irmão de Diana. Ele e a irmã sempre
foram muito unidos. Era de se esperar que eu não conseguiria esconder o jogo
sem inventar uma desculpa. Agora eu precisava ser esperto e agir rapidamente
para que eu pudesse manter meus feitos encobertos. Mas o que fazer?
Apague
o cara!
Eis
que uma voz sombria e grave respondeu meus pensamentos.
Já haviam se passado meia hora e a
expectativa crescia à medida que eu raciocinava sobre como deveria proceder
quando aquele imbecil aparecesse. Sabia que precisava agir com cautela, mas eu
estava com uma pontada de nervosismo atravessando meu espírito imune a
sentimentos. Talvez eu não soubesse como agir ou o que faria depois. Mas precisava
confiar nos meus instintos, nos mais perversos que possuía no âmago do meu ser.
Se a voz grave me dera a resposta, cabia a mim não contestá-la e cumprir o que
ela havia me ordenado, sem pestanejar.
O toque da campainha me despertou
para a realidade e rapidamente abri a porta. Ao me deparar com a cara sonsa de
Tom, senti uma enorme vontade de vomitar. Mas consegui ocultar minha expressão
de nojo e abri um grande sorriso, fingindo uma felicidade que nunca existiu:
- Meu grande Tom!
- Onde está Diana?
- Vamos entrar e sentar. Diana está
no banho. Já vou chamá-la.
Tom estava com aquela expressão
desconfiada que eu visualizei dias antes. Parecia que ele sabia de alguma coisa
e tinha suspeitas no seu olhar e nas suas maneiras. Ele nunca havia gostado de
mim, mas nunca me falou isso diretamente. Eu sabia que qualquer oportunidade que
aquele bundão tivesse para me prejudicar, não hesitaria em fazê-lo.
- Espere um segundinho, ela já vem.
O idiota sentou-se no sofá e nem
percebeu o momento que voltei da cozinha com uma grande faca de carne na mão.
Ela estava muito afiada, o corte reluzindo de encontro à luz. Aproximei do
rapaz bem devagar, pé ante pé e ele nem notou quando eu já estava perto, bem atrás
dele.
Muito
perto.
Dei
um salto e enterrei a faca nas costas dele.
Ele
nem teve tempo de gritar.
Eu
observava o sangue espesso e vermelho escorrer sobre o sofá e pingar no chão,
uma mistura pegajosa que enchia os meus olhos de prazer. A minha sala de estar
estava repleta daquele doce cheiro de homicídio que tanto me inebriava. Passei
alguns minutos em puro êxtase, inalando e me deliciando com cada gota que
tingia o meu tapete de vermelho. Agora eu sabia que estava livre de toda e
qualquer ameaça que pudesse de alguma forma me arruinar. Agora eu estava liberto
de tudo isso.
Estava
livre para continuar a missão das vozes.
Mas
eu precisava ser ainda mais cauteloso.
Passei
o resto da madrugada limpando a sujeira da festinha que havia feito mais cedo.
Limpar todo aquele sangue foi uma tarefa bem complicada. Mas consegui me livrar
de toda a bagunça. Enterrei o corpo no quintal e verifiquei se o local estava
livre de qualquer aroma fétido que pudesse incomodar aquela vizinha maldita.
Tudo limpo.
Dormi
profundamente e, durante todo o domingo, não tive nenhuma perturbação por parte
das vozes. Elas me deram o dia de folga e aproveitei para relaxar e descansar a mente e o espírito.
Um descanso merecido para um campeão como eu. Na segunda-feira tive um dia
agitado no trabalho e vários problemas. Mas não consegui elevar meu nível de
estresse. Sentia grande paz de espírito que impedia de me abalar por qualquer
besteira.
Mas quando o dia finalmente
terminou e entrei no carro foi que eu a vi.
Lana, a secretária do consultório
odontológico que ficava em frente ao escritório. Olhos castanhos, bronzeada e
cabelos negros lisos.
Lana
é bem bonita, não acha?
Meus
olhos congelaram na figura da garota alta que passou perto de mim. A voz
feminina aguda soou em meus ouvidos a melodia que eu queria contemplar naquele
instante. O sentimento que me invadiu era o mesmo que aquele quando se está uma
montanha-russa: o percurso pode causar medo, calafrios, mas quando acaba, a
sensação de prazer é indescritível. Talvez era apenas disso que eu precisava
para me satisfazer: um passeio na montanha-russa das curvas perfeitas de Lana.
Era
ela a nova escolhida.
CONTINUA...
CONTINUA...
* Os personagens e a história são meramente fictícios e não possuem nenhum compromisso com a realidade.
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