HOTEL CORAZZA
Nas
noites de sábado na cidadezinha semi-pacata de Capivari, a rotina de muitos
jovens não é diferente das outras cidades. A praça central fervilhava de
garotos e garotas à procura de um pouco de diversão, andando em bandos ou
grupos de amigos, às vezes sem rumo, outras vezes em busca de “caça” (se é que
me entendem). Capivari não oferece muitas opções de lazer, porém este não é um
motivo para segurar a juventude dentro de suas casas, a despeito de pais e mães
preocupados com seus filhos nesses “embalos noturnos” dos finais de semana.
E foi numa noite como essa, um
sábado quente e abafado, que Fernando e seus dois amigos Raul e Felipe
perambulavam pelo centro da cidade, cada qual com um sorvete na mão e
tagarelando sobre assuntos diversos. Eram três rapazes com a idade de dezoito
anos, inteligentes e que possuíam em comum interesses diversos por ficção,
música e histórias aterrorizantes. Estudavam no Instituto Federal e eram amigos
de longa data.
Haviam
passado muito tempo sentados no banco da praça central e agora caminhavam
tranquilamente, descendo a Rua Tiradentes.
- Capivari não oferece nada de legal
para um sábado- lamentou Felipe olhando de soslaio seus amigos.
- Eu sei que não. É por isso que
ficamos caminhando como idiotas pelo centro- atalhou Fernando.
Enquanto chegavam próximos da Igreja
Matriz de São João Batista, do outro lado da rua avistaram aquela mansão
tombada. Era uma arquitetura magnífica, com portões antigos, inúmeras janelas e
paredes sólidas de construções do século XIX. Dois leões em postura imponente
feitos de um material vulcânico advindo de Portugal ocupavam a parte superior
do portão principal e os três amigos puseram-se a admirar aquele casarão
encantador.
- Vejam- disse Raul- Esta mansão é a
antiga casa do Barão de Almeida Lima, um dos mais ricos fazendeiros de Capivari
daquela época. Foi também um hotel famoso chamado “Hotel Corazza”.
- Não foi aqui em que o Imperador
Dom Pedro II se hospedou quando visitaram a cidade em mil oitocentos e pouco?- perguntou
Felipe.
- Exatamente. Ele dormiu uma noite
na casa e até hoje existe o quarto onde ele e a imperatriz ficaram. Esta mansão
é tombada desde 1975. Um grande patrimônio histórico da cidade- disse Raul com
aquele ar professoral que lhe era notório.
Raul sempre fora um rapaz fanático
por História. Conhecia cada detalhe de sua cidade e muitas vezes era
considerado uma “enciclopédia” pelos seus amigos não tão ferrenhos nas áreas
humanas como ele.
- Meus avós contaram certa vez-
iniciou Felipe com olhar assustado- que esta mansão é mal-assombrada. Disseram
que o Barão era um escravocrata cruel e que mesmo após sua morte e todo o resto
ainda é possível ouvir vozes, gritos e objetos se quebrando no interior da
casa. Minha avó também disse que o irmão dela já presenciou algo assim. Ele
ouviu uma música misteriosa vinda do interior da casa quando passou certa noite
por aqui.
Os outros dois jovens riram:
- Ora, isso é conversa de velho, Fê.
Não acredite nessas bobagens que os nossos avós adoram contar pra meter medo em
criança- disse Fernando.
- Isso eu já não sei- disse Felipe-
Mas que tem um ar misterioso esse lugar, tem.
Felipe por ser um rapaz criado no
sítio por uma família agricultora era o mais supersticioso dos três. Desde
criança estava habituado a ouvir histórias de assombrações que supostamente
aconteceram na cidade e, mesmo sabendo que muitas delas eram invenções tolas,
ainda perturbavam-lhe os sonhos.
Raul repentinamente se animou de um
jeito que mais parecia uma criança em busca de travessuras.
- Eu tive uma ideia que animará
nossa noite. Vamos fazer o seguinte pra tirarmos essa dúvida- propôs Raul.
Agora faltam dez minutos para a meia-noite. A hora do desespero. Vamos tirar
par ou ímpar. Aquele que perder vai ter que pular o portão, ficar quarenta
minutos sozinho lá dentro e verificar se tem espírito, demônio ou coisa que o
valha. O que acham?
- Eu tô fora- respondeu Felipe. Nem
a pau.
- Você é muito frouxo, Fê- riu
Fernando. Quer saber? Deixa que eu vou.
- Você vai?- disse Raul surpreso.
- Mas é claro. Sou o único corajoso
aqui.- sorriu o rapaz- E sem falar que essa merda de fantasma não existe.
Fernando pulou o portão com
dificuldade. Era muito alto, mas o rapaz foi ágil como um gato e conseguiu
escalar e entrar no local. Andou pelo jardim, onde vislumbrou azaleias rubras e
perfumadas entre outras inúmeras plantas. Encontrou a porta lateral que estava
destrancada e adentrou a mansão em trevas e o breu tomou conta do rapaz que
prosseguia a passos curtos, visitando cada canto da casa sem nada enxergar de
concreto.
Do lado de fora os dois amigos
aguardavam Fernando. Felipe ainda estava apreensivo com as histórias de sua
infância e permanecia em silêncio enquanto Raul ria baixinho e imaginava seu
amigo urinando nas calças de medo na mansão sinistra. A rua estava deserta. As
luzes dos postes eram fracas e deixavam o local com aquele assombro de
cidade-fantasma sem nenhuma alma viva perambulando por ali. Nem mesmo vadios e
bêbados se encontravam na rua. De vez em quando aparecia um carro deslizando no
asfalto, seguindo algum trajeto desconhecido. Os minutos corriam e apenas os
grilos podiam ser ouvidos. Foi quando o celular de Raul despertou às 00:40
horas que eles perceberam que o tempo havia passado e que Fernando tinha que
sair da mansão.
- Ei Fer! Pode sair- gritou Raul
para dentro da casa, rindo- você venceu parceiro.
Naquele momento algo de muito
estranho aconteceu. Algo que gela meus nervos até hoje (e olha que eu tenho
nervos de aço). Fernando despontou para fora do casarão. Caminhou lentamente
pelo jardim e pulou o portão, agora sem nenhuma dificuldade. Quando Raul chegou
para perto dele, rindo e satisfeito com a coragem do amigo, ficou aterrorizado
com a expressão parada e vazia de Fernando. Os olhos estavam vidrados, sem
expressão e os seus lábios tremiam como se estivesse com muito frio.
- E aí Fer? O que viu lá dentro?-
perguntou Felipe, preocupado.
Fernando olhou para os amigos com o
mesmo par de olhos vazios e sem luz. Encarou-os por alguns instantes e
respondeu com a voz entrecortada:
- Eu. Preciso. Ir.
E foi embora caminhando a passos
largos, deixando os amigos para trás. Raul e Felipe sem entender o que havia
acontecido tentaram acompanhar o amigo sem sucesso. Acharam estranho, mas o que
poderiam fazer? Por fim, os dois foram embora para casa.
Na manhã seguinte, Raul e Felipe receberam a
notícia que Fernando havia desaparecido. Ele havia retornado para casa logo
após o incidente e se trancou no quarto. Saiu às cinco da manhã sem falar com
os pais ou dizer para onde iria, apenas com uma mala na mão. Quando sua mãe o
questionou ele apenas respondeu (com os olhos vazios e parados) “Eu preciso
ir”. Fernando foi visto pela última vez na rodoviária da cidade, onde tomou um
ônibus não se sabe para onde. Nem a polícia foi capaz de identificar o
paradeiro do rapaz, o qual nunca mais deu notícias, nem por carta ou
telefonema. Já se passaram cerca de oito anos desde essa fatídica noite e os
amigos Raul e Felipe jamais souberam explicar que ocorreu. O que aconteceu com Fernando
e o que ele viu no interior daquela mansão estonteante nunca ninguém soube o
que é.
Caaaraaacaaaa, adorei a história, parecia ser muito real parabéns, acharia legal vc escrever sobre a loira do banheiro da escola Pe Fabiano, acho que todos os alunos que um dia já estudaram na escola já ouviram alguns relatos sobre tal fato!
ResponderExcluirMuito obrigada Alex, fico muito feliz que você tenha gostado :) Opa, valeu pela contribuição. Essa eu já ouvi falar também haha Tema para a próxima história. Valeuuuuuu!
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