MEMÓRIAS DE UM SERIAL KILLER- Quarto capítulo



Capivari, 08 de março de 2016.

            Pouco antes de voltar a escrever estive mergulhado na escuridão doentia do meu quarto. Meus olhos se fixaram no teto e eu contava as teias brilhantes que sobressaíam nos cantos das paredes. As aranhas negras pegavam suas vítimas e comiam seus interiores. Eu observava toda aquela operação em um silêncio respeitoso, como se aqueles insetos fizessem parte de minha alma e eu me identificasse profundamente com eles. Claro com as aranhas. O reino animal é bem variado, cheio de brutalidades que o homem sequer pode imaginar. Certa vez ouvi falar de uma espécie de vespa que põe seus ovos no abdômen de um aracnídeo para que suas larvas “suguem” seu sangue e a devorem depois. Há inúmeros tipos de abominações demoníacas na natureza. É então que eu penso na seguinte questão: Se existe um Deus misericordioso por que é que Ele permite isso? A resposta para esse questionamento é bem evidente: simplesmente porque Ele não existe ou não se importa com o sofrimento.
            Às vezes eu paro pra refletir. Não sei se acredito em alguma coisa. Na verdade nunca acreditei. Creio nas vozes que falam comigo sempre e nelas eu confio plenamente. São elas que regem meu caráter e consequentemente o meu destino. Agora eu me sinto bem mais leve, mais tranquilo. As ameaças desapareceram por completo e como não existe nada que possa me amedrontar mais, posso relaxar e decidir qual será o meu próximo desafio.
            Pensei em Lana. Eu havia feito coisas com ela, coisas inéditas pra mim. Aquela garota havia me intrigado muito. Elegante, impecável e extremamente bela. Mas sua expressão era sisuda e fechada. Raramente eu a tinha visto sorrir. Não sei explicar o motivo de tamanha seriedade, tampouco eu havia feito qualquer esforço para descobrir, mas ela me provocava. Não pretendo me alongar muito no relato da execução do meu plano (claro que obtive o auxílio das vozes femininas): esperei que saísse do trabalho à noite, procurei-a, inventei uma história de que tinha atropelado um cachorro e dopei-a com clorofórmio; porém dessa vez eu a trouxe para minha casa, aonde fiz o meu ritual. Não preciso nem dizer que as sensações que senti durante o tempo que estive com ela foram esplêndidas. Passei quase uma hora e meia apalpando, cortando e lacerando sua carne macia e bronzeada. O cheiro do sangue fresco penetrava minhas narinas e causava um prazer indescritível em todo o meu ser. Eu desejava ardentemente embriagar-me daquele líquido doce e, em um ato repentino, suguei a ferida que despejava do pescoço de Lana. Ela ainda estava viva, os últimos minutos que mantinham sua luz vital naquele corpo mutilado. Ela emitia sons desesperados de sofrimento, o que aumentava o meu deleite. Quando acabei, minha mandíbula pingava sangue. Olhei no espelho e vi o meu rosto sem expressão e manchado de vermelho. Meus olhos estavam com um brilho intenso e com as pupilas dilatadas, como se eu estivesse ardendo em febre. E realmente eu me sentia febril, com uma grande excitação transbordando do meu interior.
            Agora eu me sinto ainda mais vivo.
            Não consigo explicar o que se passou comigo neste exato momento. Senti-me dado a incontáveis reflexões sobre meus atos e passei a conversar mais abertamente com as vozes. Elas me explicaram as coisas que vinham acontecendo comigo e os relatos são surpreendentes. Hoje sou simplesmente o reflexo daquilo que eu já era desde que nasci; desde menino eu supunha ter esses acessos de fúria e de prazer em infligir sofrimentos nos seres. Demorei muito para aceitar minha verdadeira personalidade e por isso estive frustrado durante tantos anos. Mas agora sou um novo homem.
            Sou um artista.
            Talvez o motivo de eu relatar todos meus feitos seja o de um dia vir a ser reconhecido pelo público. Não quero apagar com a borracha do inevitável aquele que eu fui, precisamente nesses últimos tempos. Minha história não se fez conhecida de ninguém até agora, sendo um segredo que a mim pertence, apenas. Confesso que não gostaria que ele morresse comigo, mas que um dia fosse relatado ao mundo. Eu seria aquele forte temeroso que nunca foi descoberto, que desafiou a capacidade policial e intelectual de ser identificado e preso, mas que quando a história veio a público, já estava muito longe. Ou morto. Isso eu ainda não sei.
            Um dia esses relatos serão encontrados por alguém.
            Meu entusiasmo vinha quando eu ouvia falar no noticiário sobre o desaparecimento das pessoas que eu... bem, dei cabo. Já estava em um número considerável as presas que cruzaram meus caminhos tortuosos. Não sei se já mencionei, mas fazia quase seis meses que tinha começado e não conseguia parar desde então. As vozes me guiavam como devia proceder e nunca a desobedeci mais. E não me arrependo.
Semana passada aquele bundão do meu vizinho encontrou-me saindo para trabalhar e veio ter comigo. Falou as coisas triviais e aborrecidas dos vizinhos. Não fez qualquer menção aos “cheiros suspeitos” de antes, mas pelo tom e expressão facial pude sentir que ele estava muito interessado em algo que não pude identificar com exatidão. Sempre o julguei um completo idiota, mas agora eu estava cismado com ele. Não sei explicar o motivo, mas eu estava.
            Já sabe o que fazer, não é?
            Sim, eu sabia exatamente o que fazer. E não houve grandes dificuldades para tanto. Bastou uma cerveja e uma facada na jugular e estava tudo acabado. Grande repercussão pelo sumiço do otário, mas nada que pudesse me incriminar. Sou esperto o suficiente pra encobrir meus feitos e a polícia nem desconfia do meu caráter de bom moço.
            Eu me sentia invencível agora. Não sei explicar os meus reais sentimentos, mas a vida tinha se tornado plena e meus dias aqui na Terra causavam-me uma explosão de sensações a cada instante que eu pensava em tudo que estava fazendo e no que eu me tornei. Meu rosto havia mudado. Eu estava mais jovial, mais atraente e muito mais belo. Entregar-me aos prazeres reprimidos foi o mesmo que descobrir a fonte da juventude. Sentia-me uns dez anos mais moço. As pessoas notavam essas alterações e diziam que eu estava mais simpático do que nunca. Eu sabia os efeitos que causava nelas e tentava tirar o máximo de proveito disso.
            Naquela noite, tive um sono agitado e confuso. As vozes murmuravam palavras ininteligíveis e imagens rodavam em minha cabeça. Eram visões sem nexo, cor de sangue e de órgãos sendo retirados dos interiores de animais. Havia lâminas de todos os cortes e tamanhos e eu pude ver a pele sendo retirada e o sangue espirrar com jatos de pressão. Depois, comecei a sentir dores insuportáveis, como se facas cortassem meu abdômen e a minha coluna parecia estar sendo retirada. Contorci-me de uma dor lancinante e gritei. Gritei desesperadamente, como se eu estivesse prestes a morrer. Até que eu ouvi uma voz chamar meu nome. Era uma voz doce e feminina, chamando-me baixinho.
            John...
            O algoz continuava a perseguir-me. As facas partiam minha carne aos pedaços e meu couro ardia em chamas. A voz prosseguia.
            John, acorde!
            Com muito custo, desvencilhei-me das lâminas brilhantes e consegui mover meus braços. A dor era extrema, mas eu precisava despertar daquele pesadelo infernal. Movi as pálpebras. As lâminas, facas e cortes, tudo havia desaparecido. E a voz continuava a sussurrar em meu ouvido.
            Vamos, querido, acorde.
            Despertei. Antes de abrir os olhos eu já estava com uma leve sensação que aquela voz me era muito familiar. Mas eu não tinha certeza. Depois que eu acordei, agora já não havia dúvidas de quem era que me chamava. Vislumbrei sua cabeça loura e seu rosto muito pálido. Ela olhou-me de volta com grandes olhos claros e deu um sorriso branco.
            Foi só um pesadelo.
            Olhei perturbado para ela. Meu Deus, o que está acontecendo? Como isso é possível?
            Era Diana quem havia me acordado.
            Era a minha mulher!

            CONTINUA...

  * Os personagens e a história são meramente fictícios e não possuem nenhum compromisso com a realidade.

            

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