MEMÓRIAS DE UM SERIAL KILLER- Capítulo final
Capivari,
12 de março de 2016.
-
John, me explique agora o que está acontecendo!
Diana
agora falava com exasperação e toda aquela calma e doçura que ela possuía
costumeiramente em sua voz havia se transmutado em um grave tom de repreensão.
Ela era uma mulher espirituosa, muito mais séria do que aparentava em seu rosto
de feições delicadas e muito alvas, seus enormes olhos claros e profundos e
seus lábios finos e pálidos de anemia. Eu sabia perfeitamente que quando assim
falava comigo, algo muito grave havia acontecido e era mister que eu me
preocupasse com a situação.
-
Explicar o quê?
-
Você sabe muito bem, John. O que aconteceu com você esta noite?
Estávamos
sentados em nossa sala de estar enquanto tínhamos essa conversa. As vozes ainda
ruíam em minha cabeça, o eco produzido da noite anterior parecia martelar em
minha massa cerebral. Tudo aquilo se fazia muito confuso. Eu sentia que algo
estranho estava prestes a acontecer. Ou já havia acontecido. Não sei dizer com
exatidão. Lembrei-me da noite anterior. O cheiro de homicídio parecia ainda
penetrar no fundo do meu interior e eu podia visualizar na minha mente o
vermelho vivo do sangue recém derramado. Também senti na superfície da pele o
toque ardido de lâminas cortando-me, como se eu fosse um animal abatido.
Isso é realmente muito
estranho.
-
Eu tive um pesadelo, Diana. Um pesadelo muito ruim e confuso. Parecia que eu
estava sendo retalhado. A dor era imensa, não pude evitar berrar como um louco.
Na verdade, há dias eu venho tendo sonhos sinistros.
Diana
olhou-me de modo menos duro agora. Tudo o que ela precisava naquele momento era
de uma explicação para o meu comportamento singular dos últimos dias. Eu tinha
uma esposa extremamente dedicada e preocupada. Ela sabia exatamente tudo o que
acontecia comigo e se algo estava errado, o melhor a fazer era contar logo a ela.
Esconder fatos, qualquer coisa que fosse, era um erro pouco aconselhável a
cometer. E foi exatamente esse o meu erro, a grande falta que culminou em uma
situação no mínimo desagradável, tão terrível que a notei logo que percebi o
rosto de Diana endurecer naquele exato momento.
A
face de Diana estava dura como pedra. Seus olhos não possuíam brilho algum,
pelo contrário. Estava fosco e penetrante e me encarava com uma expressão
assustadora.
-
Você ainda está escrevendo aquela história maluca sobre o serial killer?
-
Diana, isso é apenas ficção. Há meses eu venho trabalhando nesse livro. Não sei
aonde surgiu essa ideia, mas ela apareceu em minha mente como um meteoro e eu
resolvi colocar no papel esses pensamentos de forma artística. Por favor, não
leve a sério. É apenas uma história.
Diana
ainda estava contrariada.
-
Eu sei disso, John, mas estou ficando preocupada. Você está tendo pesadelos com
essa história, gritou para parar de machucá-lo e se contorcia de dor.
Impossível eu não ficar perturbada com uma situação dessas.
-
Minha querida, eu sou um escritor. Eu me sinto bem em escrever histórias
fantásticas. O contexto me pareceu muito bom e não pude deixar de aproveitá-lo.
Não sei dizer, mas parece que a alma
desse homem penetra no íntimo de minha alma e assim eu me coloco a
escrever. É um misto de terror e suspense, como se eu me tornasse outra pessoa. É extraordinário!
Diana
continuava a olhar-me de modo intrigado.
-
Eu andei lendo seus manuscritos.
-
E o que achou deles?
-
Achei-os muito bem escritos. Você escreve com exatidão e riqueza de detalhes o
pensamento de um homem mentalmente perturbado e psicótico. Apenas não gostei de
um detalhe.
-
Qual detalhe?
-
Colocar eu no meio da história e dizer aquelas coisas sobre mim? Fala sério,
John! Você me matou! E ainda escreveu que nossa transa é ruim.
Diana
olhava-me com olhos nada amistosos e eu me pus a rir.
-
Querida, é apenas um romance. Não sei o motivo de eu colocar algumas pessoas
conhecidas nele, mas como eu havia dito, é apenas ficção. Nada do que escrevi
representa a realidade.
-
É claro que não. Afinal, ainda não fui estrangulada por você, não é mesmo?
A
nossa conversa havia terminado e Diana agora estava mais relaxada e
bem-humorada. Ríamos muito e nosso papo tomou proporções menos sérias e mais
trivial. Naquele dia, passei boa parte da minha tarde escrevendo e trabalhando
na minha história criminosa. Havia grandes planos para ela. Afinal, sou um
escritor policial, ainda que muitos não saibam disso. A iminência de relatar um
romance sobre um assassino em série me pareceu surpreendente, haja vista que
até então eu só havia elaborado histórias de investigação e detetives. Um
enredo com pegada psicológica descrevendo a mente de um assassino surtado
costuma causar um profundo interesse no público leitor.
Levantei-me
de minha cadeira super confortável do meu escritório particular e fui até a
cozinha fazer um lanche. Quando passei pela sala, Diana estava sentada no sofá
em frente à televisão. Passava o noticiário naquela hora.
No
instante em que me aproximei dela, repentinamente, Diana olhou-me com uma
expressão de terror em seu rosto. Seus olhos estavam esbugalhados e seus lábios
tremiam, impedindo-a de falar. Ela começou a balbuciar palavras inteligíveis e
seu corpo todo estava em um choque profundo de pânico.
Este
foi o momento em que chegou ao fim uma história absurda do rumo que tomou minha
vida desde aquele fatídico dia em que resolvi deixar minhas frustrações de lado
e dar uma nova estrada a mim mesmo. O que eu acreditei fazer pelo prazer de
inovar artisticamente meus dias tediosos acabou se transformando no meu mais
tenebroso pesadelo. E pior: no pesadelo dos meus entes mais próximos. Agora
eles já não acreditam mais em mim. Talvez me achem um lunático, um imbecil que
inventou uma farsa mirabolante e que se deu muito, mas muito mal mesmo. O que
acontecerá comigo agora, não faço a menor ideia. Apenas sei que a minha vida
não será mais a mesma, pois todos os atos carregam consequências e os meus,
caro amigo, trouxeram-me uma catarse abominável. Agora eu sei que estou
perdido.
-
Diana, o que houve?
Eu
estava preocupado. Ver minha mulher naquele estado era terrível.
-
John, você não vai acreditar!
Ela
agora estava quase gritando, sua voz saindo como um jato.
-
Meu Deus, Diana! Fale logo o que está havendo.
-
É Lana... Aquela garota que trabalha
perto de você. Que apareceu na história.
-
O que tem Lana? Vamos, me diz o que tem essa moça?
Eu
estava muito preocupado já.
-
Ela... ela está morta. Foi assassinada em sua casa.
Não
pretendo me alongar relatando o choque que tive mediante essa revelação. E que
as circunstâncias da morte da garota foram exatamente iguais à que descrevi em
minha história. E que o assassino havia limpado toda a cena do crime e não
deixou nenhuma pista que levasse a polícia até ele. Se eu tivesse que descrever
tudo nos mínimos detalhes, talvez eu jamais terminasse essa história
mirabolante, pois agora é inútil dizer que me encontro em difícil situação,
aonde todos aqueles que amo não depositam mais sua confiança em minha pessoa.
Talvez eu tenha sido amaldiçoado naquele momento estúpido em que decidi começar
a escrever um livro insano, cheio de elementos extraordinários de um personagem
psicopata. Não sei dizer exatamente o que houve, mas pude transmitir nessas
linhas que não são muitas, mas que são sinceras, o legado que deixei quando
aventurei-me a escrever e seguir essa carreira. Agora sei que não foi uma
decisão muito sábia e o arrependimento passou a tomar conta de minha alma. Um
arrependimento mortal, terrível e indesejável. Já não possuo certeza de mais
nada. Apenas uma coisa eu posso afirmar com total exatidão. E eu me sinto
responsável por isso, já que eu dei início a toda essa tenebrosa ação do
destino. Minha única certeza:
Eu tenho um imitador.
E ele já começou a matar.
FIM.
* Os personagens e a história são meramente fictícios e não possuem nenhum compromisso com a realidade.
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