MEMÓRIAS DE UM SERIAL KILLER- Primeiro capítulo

Capivari, 13 de fevereiro de 2016.

            Talvez pra mim seja um pouco complicado escrever sobre esse tipo de coisa. Minha identidade poderá estar exposta aqui e a última coisa que eu quero é ser descoberto. Ter meu nome revelado neste momento é assinar minha sentença de destruição e não pretendo ser preso e ter que desvencilhar-me tão cedo dos meus “hábitos” peculiares.
            Acabo de matar uma garota. Agora mesmo, pouco antes de começar a escrever esta página. As vozes sossegaram depois que a assassinei. Era exatamente isso o que elas queriam. Agora eu me sinto bem mais calmo e com uma paz inebriante percorrendo as minhas entranhas.
            Durante a noite (ou mesmo durante o dia) eu ouço vozes na minha cabeça. São muitas, de várias entonações e timbres, femininas e masculinas. Elas me dizem várias coisas do tipo: “Seu bichinha fracote”, “você é um fracassado, não presta pra nada, ninguém se importa com você”. Elas adoram me injuriar! Além disso, me mandam fazer coisas. Coisas horríveis e profanas! E não param enquanto eu não satisfazê-las e quando eu não faço o que elas mandam, elas gritam. Gritam sem parar! Me xingam dos nomes mais escabrosos, blasfemam palavras impronunciáveis! Então o melhor que eu posso fazer é obedecê-las. E eu sempre obedeço.
            Essas vozes me perseguem desde que eu era um garoto magrelo e zoado na escola. Tinha nove anos. Elas me mandavam fazer maldades com os seres mais indefesos que eu. Comecei estripando os gatos da vizinhança em um terreno baldio que ficava atrás da minha casa. Eu levava os bichanos para lá e nessa época eu já colecionava um arsenal de pequenas facas e canivetes com os quais eu realizava toda espécie de tortura contra os felinos. Dava-me prazer infligir sofrimento naqueles seres mais fracos que eu. Fazia com que eu me sentisse forte e poderoso. Me sentia um homem. Adorava ver a luz vital se apagar dos olhos da minha vítima, os sons desesperados que elas emitiam ao sentir a dor insuportável que eu lhes incutia. Eu era o carrasco e o senhor do fio que separava a vida da morte. A qualquer momento eu podia ceifar suas vidas inúteis ou poderia prolongar aquilo o quanto quisesse, a meu bel- prazer. Geralmente minhas sessões de tortura duravam aproximadamente uma hora. Não mais do que isso.
            Porém os dias gloriosos de minha meninice chegaram ao fim quando fui surpreendido pelo meu vizinho, um velho gordo e barbudo chamado Sr. Moisés, que me viu levar o seu gato preto e roliço até o meu “local secreto” e iniciar meus rituais. O homem desgraçado me chamou de delinquente, moleque do satanás e outros adjetivos nada lisonjeiros e imediatamente foi falar com meus pais. Eles já tinham ouvido rumores sobre o desaparecimento dos animais da vizinhança e ficaram desconfiados. Fizeram com que eu os acompanhasse até o terreno e averiguaram se haviam provas dos meus feitos por lá. Por sorte eu era um moleque extremamente esperto para a minha idade. Sempre que eu terminava o “serviço”, apagava todos os vestígios. Enterrava minhas vítimas no mesmo terreno, mas um pouco longe do local onde praticava. Nunca deixei nada que pudesse me incriminar, nem mesmo um único pêlo ou gota de sangue. Eu era e sempre fui inteligente. Depois disso, meus pais esqueceram a história. Essa foi a única vez em que quase fui descoberto, quando aquele maldito velho peidão veio me dizer bobagens. Um dia ainda me vingarei daquele patife.
            Quando eu me tornei adulto eu já havia parado de matar animais. As vozes haviam desaparecido e permaneceram afastadas durante um bom tempo. Eu me formei na faculdade, arranjei um bom emprego e me casei. Mas uma coisa é certa: eu não era feliz. Havia me tornado um homem moralmente, psicologicamente e sexualmente frustrado. Não encontrava o devido prazer nas coisas corriqueiras, nada ou ninguém conseguia me satisfazer nesses aspectos. Eu sentia uma total carência do gozo que penetra a alma, que faz sentir as sensações mais fantásticas, como o efeito dos alucinógenos nos dependentes químicos. Mas não era de drogas que eu precisava para poder me realizar. Era outra coisa.
            Foi então por volta dos meus trinta anos que as vozes retornaram. E elas voltaram com tudo, exigindo meu corpo e minha alma, minha vida e a minha morte. Elas queriam que eu fizesse mais por elas, que eu superasse a mim mesmo. Não me deixavam dormir à noite, chamavam-me de broxa frustrado (fazendo referência ao meu problema de disfunção erétil). Sim, foi nessa época que as minhas mazelas começaram. E elas gritavam, cada vez mais forte, fazendo meus ouvidos doerem e minha cabeça girar. Eu não suportava mais aquilo.
            Eu estava ficando louco.
            Elas me pediam para fazer coisas horríveis, grotescas, assim como me ordenavam quando era menino. Elas me diziam que só assim eu conseguiria me realizar e satisfazer meus desejos carnais, os quais ainda não havia realizado. Mas dessa vez elas me pediam para fazer aquilo com pessoas.
            E foi assim que seguiu uma sucessão de atos célebres que realizei a partir daquele dia que não pude mais suportar a situação e comecei a obedecer novamente as vozes da minha cabeça. E, cara, foi divertido! Realmente obtive a satisfação, o prazer que há muito tempo vinha buscando. Só de me lembrar disso eu já me sinto excitado e com uma vontade tremenda de fazer mais... e mais! Não sei por que demorei tanto para fazê-lo. Agora eu me sinto viril. As vozes estavam certas. Sempre estiveram.
            Simplesmente não sou mais aquele broxa de antigamente.
            A minha primeira vítima humana foi minha esposa. Acordei em certa noite muito perturbado com uma voz masculina que ria muito e zombava de mim. Ele me dizia que só pararia de rir quando eu provasse pra ele que era macho o suficiente para estrangular Diana. Ele me irritou de certa forma que eu acabei fazendo o ato perverso. Pulei abruptamente em cima dela, que dormia ao meu lado, e com as duas mãos apertei os meus dedos frios em seu pescoço. Ela acordou sobressaltada e com os olhos assustados fixos em mim tentou gritar com esforço. Sem sucesso, começou a se debater e tentou me empurrar com as mãos, mas eu era forte, muito mais forte do que ela. Aquela luta durou pouco menos de três minutos e eu pude ver a luz se esvair dos seus olhos claros lentamente, a morte estampar seu rosto lívido e seus membros relaxarem.
            Ela estava morta.
            Palavras são insuficientes para descrever o meu deleite. Era como se uma energia tivesse percorrido todo o meu corpo e proporcionado uma explosão de delícias internas e mágicas! Não consigo me expressar com os sentimentos que percorreram meu ser quando assassinei minha mulher. A voz parou de berrar comigo e naquela noite, com o cadáver de Diana deitado em minha cama, eu dormi o mais revigorante sono de toda minha existência.
            Na manhã seguinte eu precisava me livrar do corpo. Decidi jogá-lo nos fundos de minha casa, debaixo de um alçapão, bem longe dos olhos perscrutadores dos vizinhos. Depois eu cobriria com cimento para não deixar transparecer odores desagradáveis. Fui trabalhar normalmente naquele dia, mais alegre e jovial que nunca.
            Eu precisava dar uma explicação mais tarde para o sumiço da minha esposa. Inventaria uma fuga ou uma viagem de trabalho... não sabia ao certo ainda. Mas apenas uma coisa era certa: eu tinha gostado daquilo. Gostado muito! Aquele ato cruel me livrou de um inferno interior que há muito tempo me deprimia e enfraquecia. Agora eu me sentia poderoso. Invencível.
            Eu precisava matar de novo.
           
           CONTINUA...



* Os personagens e a história são meramente fictícios e não possuem nenhum compromisso com a realidade.

            

Comentários

  1. Legal, muito lógico e coerente com as personalidades psicopatas. Talvez pela própria intenção de ser "conto", me pareceu que tem muitas coisas acontecendo, e muito rapidamente. Me pareceria interessante também que o psicopata ora atribuísse 100 por cento das culpas às vozes, mas ora distraidamente se regozijasse de seus atos, denunciando seu deleite, para depois em outras horas se mostrasse cinicamente constrangido, etc...
    Como foi citado a disfunção erétil, e eu acho que isso poderia ter sido a princípio sugerido, depois explicitado (levaria muitas linhas, eu sei) e depois eu fiquei esperando ele transar com o cadaver da esposa...
    Espero ter contribuído de alguma forma, parabéns pela beleza do relato e a primorosa forma. Um abraço.

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