MEMÓRIAS DE UM SERIAL KILLER- Segundo capítulo



Capivari, 20 de fevereiro de 2016.

            Uma semana havia se passado desde que eu matara minha mulher. As vozes que falavam comigo haviam desaparecido completamente. Achei estranho elas terem sumido. Senti falta, de certa forma. Mas todo aquele silêncio durou pouco tempo, pois no oitavo dia elas retornaram.
            Acordei certa manhã com uma voz feminina, aguda e irritante chamando pelo meu nome. Quando finalmente despertei, uma saraivada de palavras nada amistosas caiu sobre mim: seu bundão, quando é que você vai virar homem? Não acha que já está na hora de fazer aquilo de novo? Precisa que eu fique mandando ? Fracassado!
            Dessa vez eu não respondi, não retruquei e não me exaltei. Sabia que ela estava lá só pra me perturbar e zombar de mim. Levantei-me e realizei minhas atividades rotineiras. Tive um dia comum no trabalho, sem grandes novidades. Tudo ao meu redor permanecia intacto e nada existia de anormal que pudesse me preocupar.
        Quando o expediente acabou e eu retornava para casa, algo surpreendente aconteceu.
            Eu vi uma bela jovem.
 Aquilo atiçou o desejo íntimo de matar que tinha me dado tanto prazer, como se um raio de luz houvesse pousado sobre minha alma e acendido uma chama que durante alguns dias havia sido misticamente apagada. Ela estava indo embora para casa e fiquei ali, paralisado, acompanhando-a com os olhos vidrados.
Melissa era o nome dela. Uma moça morena, de tez bronzeada e bem encorpada. Tinha longos cabelos pretos e lisos que chegavam-lhe até a cintura. Extremamente sensual, era o tipo de garota que me atraía, em contrapartida com a mulher que eu havia me casado. Nunca achei minha esposa uma mulher bonita. Muito magra e pálida, tinha os olhos claros e afundados em uma face ossuda e obtusa. Os cabelos louros eram desbotados e sem vida. Era o perfil de mulher que sempre abominei e era justamente com a qual havia me unido em laços matrimoniais. Nunca senti um pingo de desejo e, se eu tinha me casado com ela, foi por mera questão de convenções sociais. Naquela época eu era apenas um babaca reprimido, mas agora estou liberto daqueles grilhões que me prendiam àquele ser patético.
  Hoje sou um homem livre.
        Melissa trabalhava em uma loja de calçados do centro da cidade e eu já vinha reparando nela há um bom tempo. A loja ficava ao lado do escritório aonde eu trabalhava e, por diversas vezes, havia acontecido de trombarmos e ela me dizer um “bom dia!” acompanhado por um sorriso estonteante.
Que mulher, meu Deus!
           Naquela noite a voz feminina aguda que tinha me acordado mais cedo retornou, não me deixando pregar o olho. Ela gritava sem parar em minha cabeça, repreendendo-me pelo fato de eu não estar lhe obedecendo mais. Foi então que ela tocou no nome dela: “Melissa é bem bonita não acha?”. Aquilo me fez pensar. Sim, ela era bem bonita mesmo. Mas por que será que a voz havia mencionado o nome dela? Por acaso ela sabia que era meu tipo de mulher?
           Sim, ela sabia.
Os demônios estavam bramindo por sangue!
       Não parei de pensar nela durante aquela noite. Eu a via em meus sonhos, seus cabelos escorridos e pretos, muito pretos, voando pelos ares e o seu sorriso magnífico capaz de nocautear até o mais centrado dos mortais. Eu podia sentir que a voz havia escolhido aquela garota e que a minha única alternativa era obedecê-la.
            Foi então que eu tracei um plano perfeito.
            Na manhã seguinte já estava tudo planejado. Eu precisava primeiramente conhecer seus horários e sua rotina. E assim foi. Segui a beldade por três dias seguidos e fui conhecendo seus hábitos. Descobri seus horários, sua casa, que era casada e morava apenas com o marido. O cara estudava no período noturno. Aquilo me encheu de esperança.
            Ela ficava sozinha durante a noite.
          Foi então que certa tarde eu a segui quando voltava após o expediente. Permaneci um bom tempo de tocaia em frente à sua casa. Nenhum dos transeuntes havia reparado em mim, pois eu sei disfarçar bem. Passei algumas horas observando com cuidado a residência da moça e, quando finalmente tive certeza de que ela estava sozinha em casa, decidi que era hora de agir.
            Dirigi-me até a sua porta e toquei a campainha.
            A garota atendeu com um sorriso muito simpático no rosto.
        - Olá, moça! Desculpe-me incomodá-la. É que aconteceu algo de muito terrível! Acabei de atropelar um cachorro quase aqui em frente. Ele está machucado. Tem muito sangue. Não foi minha intenção bater no pobre animal. Estou levando-o ao veterinário agora mesmo. Será que você não teria alguma toalha ou panos para que eu pudesse enrolá-lo?
            Cara, como eu conseguia simular bem aquilo!
         - Oh, meu Deus, coitadinho! É claro que eu tenho, vou lá dentro pegar algumas toalhas limpas. Por favor, entre. Eu volto já.
            A garota era imprudente demais.
            Agora eu sabia que a diversão ia começar!
          Melissa foi até o quarto dos fundos da casa e eu permaneci na sala de estar. Um lenço umedecido com clorofórmio estava no meu bolso e eu o segurava com a mão direita. Quando ela retornou com uma toalha branca e muito alva nas mãos, pus-me a sua frente e, com uma rapidez inimaginável, segurei-a com toda a força que eu dispunha e pressionei o lenço contra seu nariz e sua boca. Ela tentou desvencilhar-se de meus braços, mas acabou cedendo e eu precisei ampará-la até o sofá, aonde caiu desfalecida.
            Foi a partir desse momento que dei início ao meu ritual.
            Tomei todo o cuidado para não deixar digitais pela casa. Eu estava usando luvas, mas ainda assim eu sabia que precisava limpar depois que terminasse.
            Amarrei a moça em uma cadeira. Deixei seus pés e mãos atados para que ela não fugisse. Peguei algumas facas na cozinha, uma bem grande e outras menores. Esperei que ela acordasse pra poder começar. Precisava dela consciente para ter graça.  Logo que acordou, Melissa olhou-me assustada e começou a choramingar:
            - O que está acontecendo? Por favor, não me machuque! Por favor!
            Ah, mas o que eu mais queria naquele momento era machucá-la.
            Eu estava ansioso para aquilo!
          Sem dizer uma única palavra peguei a faca menor e fiz uma pequena incisão em seu ombro esquerdo. A garota berrou de dor e aquilo me animou. Ao ver o sangue jorrar do ferimento, tão espesso e vermelho, notei meu instinto assassino aflorar do meu íntimo. Era só o começo, mas eu já me sentia completamente deliciado. Quando olhei para suas pernas nuas tive uma ideia súbita. Abaixei-me até elas e ergui a sua saia. Deparei-me com um par de coxas bem torneadas e bronzeadas. Apertei-as com ambas as mãos. Fiquei excitado na hora.
            Naquele exato momento o que eu mais queria fazer era tirar toda a sua roupa com violência e possuí-la. Descarregar todos os meus desejos reprimidos de anos guardados dentro do meu ser e mergulhar em uma onda de prazer sem fim. Sentir meu corpo sobre o dela e ouvi-la gritar, implorando e pedindo a Deus para que eu não fizesse aquilo.
            Mas eu não podia fazer isso. Eu tinha um problema sério.
        Melissa chorava sem parar e começava a me irritar. Quando me levantei para procurar um lenço que pudesse amordaçá-la, ela começou a gritar por socorro.
          Voltei rapidamente e comecei a esbofeteá-la no rosto. Bati umas três vezes, o que só serviu para que eu ficasse ainda mais excitado. Coloquei a mordaça em sua boca e as lágrimas não paravam de escorrer em suas faces. Voltei mais uma vez para as suas coxas. Com uma das facas menores fiz um corte profundo em sua perna direita e depois outro na esquerda. O sangue que pingava encheu meus olhos de uma alegria incontida. O cheiro enferrujado daquele líquido grosso era extremamente inebriante e entrava em minhas narinas causando uma explosão de prazeres infinitos dentro de mim.
            Era bom demais!
        Fiz vários cortes em seu corpo bronzeado. Alguns mais profundos, outros mais superficiais. Cada vez que eu sentia o toque da faca afundar e rasgar as carnes da jovem era como se o ser que habitasse as minhas entranhas gemesse de satisfação.
            Foi então que a voz gritou em minha cabeça.
            Muito bem, meninão!
            Olhei para o alto e sorri.
            Quando dei por mim já estava tarde. A qualquer momento o marido dela chegaria e eu precisava terminar rapidamente. Retirei-lhe a mordaça.
            Precisava só fazer mais uma coisinha.
            No momento em que retirei o lenço que a impedia de gritar, a vaca soltou a voz:
            - Por que você está fazendo isso comigo?
            Ela não parava de chorar nunca.
            Peguei uma das facas pequenas e me aproximei de seu rosto.
            Porque aquela puta da minha cabeça mandou.
            Ela me olhou sem nada entender. Segurei sua cabeça e enfiei minha mão em sua boca. Forcei a espichar a língua e, num gesto rápido e preciso, cortei-a fora com a faca.
            O pedaço de carne mole e ensaguentado caiu no chão e a garota pôs-se a urrar e arfar de dor. Peguei-o do chão e guardei no bolso do meu casaco. O sangue escorreu como uma enxurrada fora da sua boca, ensopando-lhe a blusa cor-de-rosa.  
            Não havia palavras para descrever o que eu sentia naquele momento.
            Eu me sentia poderoso.
            Sem tempo para mais nada, peguei a faca maior e degolei a minha vítima. O sangue espirrou através do corte profundo e, enquanto ele escorria em abundância, a face de Melissa foi empalidecendo até tornar-se muito lívida. Os olhos apagaram-se e sua cabeça pendeu para o lado.
            Ela estava morta.
            Agora eu precisava limpar os vestígios de minha presença naquela casa. Foi o que eu fiz. Em questão de segundos, poderia jurar que eu nunca havia estado ali. Não tinha deixado nada que pudesse me incriminar e acabei levando todo o material utilizado e as facas comigo.
            Antes de sair da casa olhei mais uma vez para o cadáver que eu deixava para trás. O homicídio tinha um odor doce, rude e espesso. Esse cheiro fazia com que eu me lembrasse que estava vivo. E que poderia fazer aquilo de novo.
            Eu me sentia excepcional.
            Porém quando cheguei em casa senti todo o torpor e a euforia que tinha desfrutado minutos antes abandonar-me a alma por completo e cai deprimido no sofá. Por que eu estava fazendo isso? Pus-me a pensar no que havia feito, nos riscos que havia assumido. Foi então que eu senti medo, muito medo. Se eu fosse descoberto estaria perdido. Para sempre.
            Um desespero cruel apossou-se do meu espírito e acendeu a revolta que durante muito tempo eu não sentia.
Eu tinha feito isso somente porque a voz mandava.
            Sua puta, por que você não aparece agora, hein? Agora que eu fiz aquela barbaridade com a moça! Por que você não vem me chamar de bicha de novo, hein? Sua vadia desgraçada!
            Eu estava possuído pelo ódio. Meus olhos sangravam e eu sentia uma dor lancinante e aguda no meu peito. Estava tomado pelo arrependimento, não sabia explicar o motivo. No exato momento em que sentia satisfação em matar eu também sentia pesar. Talvez estivesse com medo.
            Eu ainda estava muito confuso.
            A voz não falou comigo mais e naquela noite eu dormi um sono agitado, cheio de pesadelos e imagens de cadáveres e corpos mutilados.
            No dia seguinte o idiota do meu cunhado veio me procurar. Comecei a notar as consequências dos meus atos nada convencionais. Ele veio saber se estava tudo bem com Diana, sua irmã. Disse que havia muitos dias que ele não conseguia falar com ela e queria muito vê-la.
            Meu Deus! E agora?
            - Diana saiu, disse que iria ao mercado. Ela tem andado muito ocupada ultimamente, resolveu limpar o porão que está uma bagunça tremenda. Estamos pensando em reformar a casa e ela está muito animada com isso.
            - Ah, mas se ela foi ao mercado vou esperá-la então. Gostaria muito de ver minha irmã.
            - Mas ela vai demorar ainda. Queria passar na casa de uma amiga pegar algumas mudas de plantas e você a conhece bem. Vai ficar conversando e acabará se esquecendo da hora.
            Ele me olhou torto. Pude sentir que estava desconfiado de algo e que não havia engolido minha história.
Filho da mãe!
            - Tudo bem então. Voltarei em outra hora.
            Essa foi por pouco!
            Ótimo! Era só isso que me faltava!
            Agora eu tinha total certeza de que eu precisava ser muito cauteloso. Pensaria com calma depois no que inventaria para justificar o sumiço de Diana.
            Liguei a TV. Os jornais do dia noticiavam um assassinato grotesco de uma jovem ocorrido na noite anterior. A polícia não tinha nenhum suspeito e nem a vaga ideia de quem poderia ser o criminoso. Os familiares e amigos estavam indignados com a tamanha frieza do autor daquele crime brutal.
Me senti um pouco mais aliviado.          
Mas também me senti orgulhoso de mim mesmo.

CONTINUA...


* Os personagens e a história são meramente fictícios e não possuem nenhum compromisso com a realidade.




           




            

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