A ESCURIDÃO QUE HABITA EM MIM
“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para
não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o
abismo olha para você.” NIETZSCHE,
Friedrich.
Meu
nome não importa. Aliás, eu nem lembro mais qual é o meu nome. Não me recordo
de absolutamente nada sobre mim, meus gostos pessoais, o que eu fazia
anteriormente, quem eram meus familiares. Nada. A escuridão habita cada vez
mais profundamente em meu ser e com essa fumaça negra tudo o que eu recordava
vem se esvaindo como gotículas sendo evaporadas a céu aberto; estou ficando sem
tempo. Preciso contar tudo de uma vez antes que...
Antes
que tudo desapareça!
Droga!
Quando
me mudei para o apartamento 33, tudo era novidade. A vida de morar sozinha
parecia algo excitante e maravilhosa para alguém que há muito tempo almejava
tal independência. Porém, dentro de alguns meses as coisas começaram a se
tornar estranhas. Eu não me sentia
mais como outrora; havia algo obscuro, perturbador com aquele lugar. Algo ruim
estava para acontecer e eu não tinha certeza do que era, porém eu sentia que
algo estava um tanto quanto diferente.
O
apartamento era pequeno, porém aconchegante. Dois quartos (um deles eu usava
como meu escritório particular), sala, cozinha e banheiro. O bairro era
modesto, mas tranquilo. O valor do aluguel também era bem acessível dentro de
minhas possibilidades, o que tornava o imóvel ainda mais atrativo para mim. A
mobília a qual eu já possuía anteriormente caiu como uma luva, dando todo o
conforto necessário para uma garota habituada a passar pouquíssimas horas
dentro de sua residência.
O
estopim de uma pandemia viral que atingira o mundo todo havia decidido que eu passaria
cerca de um mês em total isolamento em meu apartamento. A simples ideia de uma
doença que poderia ser fatal e uma ameaça invisível a olho nu me apavorava e
tudo o que eu mais queria era a paz e a tranquilidade do meu lar, o que era
irônico, já que eu sentia no íntimo do meu ser que minha paz seria perturbada
em breve. E tudo aconteceu dentro de algumas semanas.
Na
primeira semana, para meu espanto, a máquina de lavar roupas ligou sozinha. Não
havia nada dentro dela. Ela se pôs a trabalhar e eu sequer havia deixado a
tomada ligada. Quando fui averiguar, vi uma sombra passar por mim. Era uma
mulher de longos cabelos louros e ela rapidamente havia desaparecido
misteriosamente. Mais tarde, comecei a observar alguns utensílios domésticos
fora do lugar, assim como a minha televisão misteriosamente ligar e uma onda de
chuviscos invadir a tela...
Na
segunda semana, a máquina de lavar foi acionada novamente e não por mim. O micro-ondas também ligava sozinho, quase
todos os dias. Não era eu, eu juro. Mas algo
estava pressionando o cronômetro e ele contava, precisamente 33 segundos. 33. Exatamente como o
número do meu apartamento. E mais uma vez eu vi o vulto que desaparecia pela
cozinha. A mulher dos cabelos louros saindo pela porta.
Eu estava ficando apavorada.
Na
terceira semana eu estava sozinha em meu apartamento. Como sempre. Era natural
que eu estivesse, já que meus familiares e amigos também estavam em seus lares.
O engraçado é que eu não consigo me lembrar da última vez que os vi... Talvez
no ano novo? Ou seria no dia do meu aniversário? De qualquer forma, o pavor que
eu sentia era tão forte que eu estava me esquecendo das coisas mais
corriqueiras e por algum motivo eu não queria sair de casa. Estava amedrontada,
porém não queria ir embora. Aquele era o meu lar e eu gostava muito dele.
Enfim,
preciso contar daquele dia. A terceira semana dos eventos misteriosos. Senti um
cheiro de perfume muito forte. Era um perfume adocicado (sempre odiei perfumes
doces) e ele vinha do meu banheiro. Como eu havia dito anteriormente, eu estava
sozinha. Fui checar o banheiro e bem, o que eu encontrei lá foi muito estranho:
havia um lenço de papel no cesto do lixo todo borrado de batom vermelho escuro,
como se alguém tivesse tirado batom dos lábios. O cheiro era forte e nauseante.
Fiquei apavorada. Agora eu tinha certeza que algo que não era deste mundo me
assombrava no apartamento 33.
Eu não estava sozinha em meu
apartamento.
E eu não tinha nenhum batom
vermelho. Nenhum daquela cor!
Para
meu espanto, a minha escova de cabelo estava sobre a pia (eu sempre guardava
minha escova no armário) e nela continha alguns fios de cabelos louros, como se
alguém tivesse escovado recentemente os cabelos.
O mais engraçado é que meus
cabelos são escuros.
Foi
então que eu me desesperei. A presença que se encontrava em meu apartamento não
me queria ali ou talvez não soubesse que eu estava ali. Cheguei a essa
conclusão pelo fato de que ela nunca havia me contatado realmente. Apenas
aparecia e deixava seus rastros, talvez com o intuito de me apavorar mesmo.
Eu
estava refletindo sobre isso quando ouvi atrás de mim, na sala de estar um computador
ligar sozinho. O engraçado era que eu não tinha computador. Ainda mais
notebook. Nunca usava computadores. O que aquilo estava fazendo ali? Quando me
aproximei, gelei. A notícia que aparecia continha a minha própria foto. “Mulher morre atropelada na Avenida Washington
Luís”. A notícia era de três semanas atrás.
A
mulher era eu. Eu estava morta.
Quando
olho para trás vejo uma garota loura sentada no sofá. Então percebi que ela era
a nova moradora e eu era a intrusa. Na verdade, quem estava assombrando o lugar
era eu!
Á
plenos pulmões eu gritei... Um grito doloroso, estridente, que brotou das
profundezas de minha alma. Toda a agonia que eu senti agora, o medo e a dor
haviam emergido através do meu ser...
Agora
nada mais me resta. Não pertenço mais a esse mundo. Preciso partir.
Apenas a escuridão que
habita em mim.
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